Ao observador leigo, é difícil imaginar a transformação de uma grande área desmatada em uma em que milhares de mudas de espécies diferentes brotam a perder de vista. Na Biomas, esse processo é realizado a partir da integração das áreas vinculadas ao planejamento com as áreas da operação.
Esse é um percurso que, além de conhecimento, pesquisa e tecnologia, demanda muito tempo. O planejamento começa com pelo menos um ano de antecedência, visando sincronizar o ciclo de reprodução das plantas com o cronograma operacional. Nessa fase são definidos a recomendação de restauração, o mix de espécies, os volumes de mudas e sementes, os fornecedores e os prazos de produção. Nessa etapa também se inicia o relacionamento com as comunidades próximas.
“A operação é o elo que transforma o planejamento em realidade”, explica nosso Coordenador de Operações, Felipe Caffaro, líder da equipe encarregada de se antecipar aos problemas, firmar parcerias e fortalecer os elos que sustentam cada uma das suas etapas. O objetivo é garantir que o solo esteja preparado, as ameaças eliminadas ou controladas e as mudas formadas antes das chuvas chegarem, dando à nova floresta a melhor chance possível para recomeçar.
O trabalho começa muito antes do plantio
Na medida que cada espécie tem épocas diferentes de frutificação e que as sementes devem vir de árvores matrizes previamente identificadas, é essencial iniciar o processo de coleta com tempo hábil para que estas sejam beneficiadas e entregues aos viveiros. Na sequência, ainda são necessários de três a seis meses para a produção das mudas.
Caffaro relata que essa logística depende de uma cadeia de suprimentos: “o maior desafio está em mudas e sementes, não em insumos agrícolas convencionais. O tempo da floresta é o tempo das plantas e a gente precisa se antecipar”.
Isso porque a produção de espécies nativas é uma cadeia jovem e pouco desenvolvida no Brasil. A situação é ainda mais complexa em algumas regiões, como a Amazônia, onde a cadeia de viveiros e coletores ainda está em fase inicial.
A estratégia na escolha dos viveiros contribui para o sucesso dos projetos
A Biomas trabalha estrategicamente com múltiplos viveiros parceiros. Nossa equipe, com ampla experiência em produção florestal, os seleciona tendo em vista a qualidade das mudas e a capacidade de entrega dentro do cronograma estabelecido. Um outro critério é garantir que pelo menos 50% das mudas e sementes venham de viveiros da região do projeto, e que os demais viveiros estejam sediados em regiões diferentes. Esse modelo traz diversas vantagens:
- Favorece a utilização de mudas e sementes de procedência local, mais adaptadas às condições de clima e solo;
- Garante a diversidade genética, que gera resiliência ecológica e reduz riscos diante das mudanças climáticas;
- Aumenta de forma significativa o impacto social positivo, gerando emprego e renda para um número maior de pessoas e fortalecendo a cadeia produtiva local em uma área mais ampla;
- Gera empregos locais.
Caffaro explica que, quanto maior o número de espécies nativas no mix e mais variada a origem das sementes da mesma espécie, menores os riscos ao projeto. Assim, aumentam as chances de a mata se tornar autossustentável e resiliente frente às mudanças do clima dentro da área restaurada.
Em termos práticos, isso significa que a variabilidade de procedências possibilita novas combinações genéticas e a geração de árvores mais adaptadas ao ambiente do futuro. Dessa forma, se uma espécie sofre com o estresse climático, outras continuam desempenhando suas funções ecológicas (como sombreamento, ciclagem de nutrientes e fixação de carbono). Essa configuração preserva o equilíbrio e a funcionalidade do ecossistema restaurado.
As operações pré-plantio garantem as melhores condições para a nova floresta
Após o estabelecimento das parcerias com os viveiros, mas antes do plantio, as áreas a serem restauradas passam por um processo de preparo, que inclui a reparação física e química do solo. Caffaro explica que, como os projetos são implantados em regiões degradadas, “o primeiro passo deve ser a eliminação dos filtros ambientais, aqueles obstáculos que impedem o crescimento das mudas”.
Entre eles, estão o controle de gramíneas invasoras por drones, controle de formigas cortadeiras e descompactação do solo por meio de máquinas de esteira ou pneu e fertilização, com o objetivo de restabelecer sua permeabilidade, estrutura e aeração. “Assim, criamos as condições favoráveis para que a área volte a se aproximar do que um dia já foi”, diz.
Tecnologia otimiza o plantio no campo
Encerrada a etapa de preparo da área, é feito o plantio, respeitando as condições de solo e clima de cada talhão (nossa unidade produtiva) e o mix de espécies recomendadas.
Na restauração em larga escala, o plantio de todos os talhões pode levar anos, o que aumenta a importância de aliar conhecimento e tecnologia para otimizar prazos e resultados.
Na Biomas, combinamos métodos manuais e mecanizados conforme o relevo e a estrutura da área, tendo em vista produtividade, segurança e qualidade. “Usamos drones para aplicar herbicidas, monitorar a sobrevivência (das mudas) e matocompetição. Isso reduz custos, garante homogeneidade e diminui o impacto ambiental”, explica Caffaro.
A qualidade é garantida por um sistema de gestão florestal e de rastreabilidade
As operações são acompanhadas de um controle de qualidade, conduzido com o mesmo rigor técnico que orienta todas as etapas do processo. Do preparo da área ao monitoramento das mudas plantadas, cada passo é registrado em um sistema de gestão florestal. Entre os itens monitorados, estão a sequência de atividades, os insumos utilizados e os critérios de avaliação. A rastreabilidade integral das operações garante padronização, consistência e transparência nos resultados.
O controle acontece em três níveis e momentos complementares. Primeiro, o líder de campo acompanha as atividades em tempo real, corrigindo desvios assim que surgem. Em seguida, um técnico da Biomas reavalia as mesmas etapas e, se necessário, elabora um plano de ação corretivo. O terceiro nível é realizado por imagens de alta resolução captadas por drones, para avaliar sobrevivência, performance e matocompetição.
O sistema funciona também como um repositório de conhecimento técnico, onde são documentadas todas as espécies, produtos utilizados, operações realizadas, datas de cada intervenção e os resultados. Esse registro detalhado permite aprimorar continuamente os métodos de trabalho e consolidar uma cultura de excelência.
Projeto Muçununga: onde técnica e estratégia dão frutos
Tomar decisões estratégicas e prever o uso da tecnologia desde o planejamento trouxe benefícios importantes na execução do Projeto Muçununga. Um exemplo é a descompactação e a adubação do terreno, que é bastante íngreme e acidentado. Neste caso, conseguimos mecanizar o trabalho em 94% da área. Da mesma forma, a utilização de drones para controle de gramíneas em 90% da área representa um outro marco de eficiência.
E há também resultados que extrapolam os planos. Foi o caso da ampliação do mix de espécies já durante a fase de implantação. O planejado era trabalhar com cerca de 70 espécies nativas, mas já ampliamos para 85 e tudo indica que podemos ultrapassar 100 no primeiro ano da operação.
Esse aumento não foi acidental nem apenas fruto da disponibilidade do mercado. Foi consequência direta de uma decisão técnica alinhada com os objetivos ecológicos do projeto, incluindo construir uma ampla rede de viveiros. Pensando de forma estratégica, foi possível adicionar ainda mais espécies nativas da Mata Atlântica, além de garantir a utilização daquelas que entregam os melhores resultados ao projeto.
Do conhecimento à floresta: onde técnica e propósito se encontram
A restauração ecológica em larga escala só é possível quando conhecimento, capacitação técnica e unidade de propósitos caminham juntos. Cada operação da Biomas nasce de um método rigoroso, executado por profissionais experientes e guiado pela missão de transformar paisagens degradadas em ecossistemas vivos.
“Trabalhamos com as tecnologias já consolidadas na silvicultura comercial, mas todos os dias desenvolvemos novos conhecimentos no universo da restauração. É o equilíbrio entre segurança técnica e evolução constante que garante o sucesso das operações da Biomas”, conclui Caffaro.